PORQUE é semana de Rali de Portugal... e porque tenho muitas, mesmo muitas saudades de fazer directos dos finais dos troços para a rádio.
Vinte e dois anos. O meu último Rali de Portugal para a rádio. Era aquele tempo em que se fazia o final dos troços em directo. Em que as emissoras lutavam para ser a primeira a dar tempos e incidências.
Por esses anos (1997) já havia telemóveis. Não era mais necessária a montagem de linhas especiais, com telefones de campanha, junto do “stop" dos finais das classificativas. Essa maneira de cobrir o Rali de Portugal continuava a ser uma tradição, ainda que os tempos chegassem ao secretário no imediato. Até já havia parciais dos troços. Contudo, o público estava habituado aos momentos de emoção, quando nós, os portadores de notícias frescas, lançávamos nas ondas do éter a magia de um tempo e o comparávamos com os anteriores. Quando fazíamos contas rápidas para ditar quem liderava, quem perdia ou ganhava posições. Quando anunciávamos problemas ou criávamos a expectativa do que se podia passar nos troços seguintes, que não seriamos nós a relatar.
Passávamos dias a comer pó, na verdadeira acepção da palavra. E adorávamos! Nas ligações, fazíamos um rali dentro do rali para conseguirmos cumprir o programa de pelo menos três, mas muitas vezes quatro, finais de troços por etapa (eram 31 nesse ano de regresso ao campeonato principal). Arriscava-se, às vezes para além do aceitável, mas era um gozo imenso, apesar do cansaço.
Feito este preâmbulo (longo), vamos à história. Uma das minhas coroas de glória. O final da 1ª etapa, com 13 especiais, correspondia à primeira passagem pelos troços da zona de Fafe (ou quase): St. Quitéria, Fafe-Lameirinha e Luílhas. Tinha-me calhado o final do primeiro. Joaquim Capelo (actual director da FPAK), que estava sem piloto para navegar, foi o meu motorista nesse ano. Chegar a tempo ao final dos troços não era problema, até porque ele conhecia os caminhos todos, os “normais” e os “outros”. Assentámos arraiais cedo naquela curta recta com campo lavrado do lado esquerdo e muro do lado do oposto. Gronholm, Sainz e McRae tinham deixado o rali prematuramente. Liderava Makinen, com o Mitsubishi, seguido de Eriksson (Subaru) e Loix (Toyota). Em St. Quitéria, serio o sueco a fazer o melhor tempo, empatado com Loix. Lembro-me de anunciar que passava para o comando da prova com 2s de vantagem para o campeão do mundo. Minutos depois chegavam Rui Madeira com o Impreza nº 8. Deixei o “Quim” ir falar com o Nuno e, sozinho, abri a porta do piloto. Alguém gritou que fizera o 3º tempo, a 1s apenas. Estava em directo mas, por segundos, ficámos, eu e o Rui, a olhar um para o outro. E o olhar do almadense dizia tudo. Era hora de atacar. Desviei o olhar e concentrei-me nos Pirelli. Estavam quase perfeitos, ao contrário dos carros que tinham passado antes. Pouco ou nada tinham sofrido naqueles 9km do início da ronda final do dia. Acho que o deixei incrédulo quando, live, lhe perguntei: vais ganhar um dos dois troços de hoje, não vais? Com uma voz “curta” respondeu: “não vai ser fácil”.
Nunca saberei se pensava mesmo que era possível. Mas a saúde do Impreza e mais ainda dos pneus Pirelli, deram-me asas (sem Red Bull) para anunciar aos ouvintes: “Rui Madeira e Nuno Rodrigues da Silva vão ainda hoje dar-nos uma grande alegria”, explicando porquê: “têm tudo para ser de novo Top 3 na Lameirinha e se continuarem a poupar os Pirelli, ganhar depois em Luílhas, onde os pneus podem fazer a diferença”.
Acabei a transmissão e nem um minuto depois tocou o telemóvel. Era o Pedro Castelo, que coordenava a emissão. “Tu és louco? Dizes uma coisa daquelas no ar? As pessoas vão ficar com enorme expectativa, sobretudo quem está nos troços”. Com calma, retorqui: “Pedro… vais ver!”.
Na ida para o carro contei ao Quim Capelo. A resposta foi a mesma. “Estás louco; isso é quase impossível, lembra-te que o carro dele não é da última evolução”. Pouco depois foi a vez da dupla Barbosa da Gama/Antonio Jose Araujo Mocho ligar do final de Luílhas, meio “zangados”, porque podia deixá-los em “maus lençóis”.
A verdade é que a história teve um "happy-end". No lusco-fusco do final do dia, o Rui e o Nuno fizeram o segundo tempo na Lameirinha, a seis segundos de Eriksson, mas batendo Makinen por 1s. E em Luílhas arrecadaram o triunfo que tinha previsto. Nos 10,5 km bem complicados, “aviaram” dois segundos ao sueco e sete ao finlandês. Ainda hoje, considero esses três troços a maior performance de Rui Madeira ao volante de um carro de ralis. Se calhar ele discorda...
Nunca mais vou esquecer o “gozo” que tive ao ouvir Barbosa da Gama anunciar o resultado no directo, relembrando a minha previsão, feita cerca de uma hora antes.
No final da etapa, ao jantar, lembro-me de António Mocho me ter dito - “porra, tu és mágico ou quê?!”.
Acreditem que não foi premunição. Foi apenas resultado de uma franca troca de olhares. E a análise correcta de uma situação.
Que saudades tenho de fazer directos de finais de troços no Rali de Portugal.
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João Raposo
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